(Capítulo 1 - Ensina-se Teatro? Onde mora tal Aprendizagem? Subtópico Processo
Criativo do Ator, (p.18-23).).
Por Lúcio José de Azevêdo Lucena (Lúcio Leonn)
Por Lúcio José de Azevêdo Lucena (Lúcio Leonn)
“Lúcio Leonn; resolva teus papéis
com a mesma razão e sensibilidade com que encarastes os ‘Os Iks’ e tua carreira
vão longe... Um abraço.” Celso Nunes (diretor e professorde teatro) Curso Colégio de
Direção Teatral, (1998).
É no jogo
cênico dos ensaios, nas repetições,
nas apresentações diante da plateia, nas
ações orgânicas pelo uso da criatividade (testes) em situação dramática
advindo do texto, nos estudos de criação de personagem e na peça que se deseja
encenar, que se desenvolve o processo criativo do ator. Este processo de
criação e representação nunca será o mesmo. Ele é contínuo. Assim, somente ele,
o ator, tem o privilégio de resguardar-se num tempo de criação e suspender o
plano racional/real para imbuir-se de emoção, utilizando-se da imaginação e da
criatividade. E, logo depois, fará uso
de uma técnica, materializando ações que podem resultar em processo orgânico e,
mais adiante, um encontro cênico com a plateia que, contando com a personagem
já criada, se estabelece sempre
possibilidades para uma nova relação: público/ator.
O diretor Celso Nunes e Lúcio Leonn em processo de criação / diálogo com o diretor para usar tal peruca no espetácuo "Os Iks” (1998). Theatro José de Alencar (TJA). Acervo pessoal\imagem
|
Antes o intérprete experiência, por
meio de jogos de improvisação, o universo mágico na situação dramática do
personagem, com intuito de deixar fluir, consciente ou inconscientemente, em seu
corpo de ator o que está sendo pesquisado ou
maturado. Quando encontrado até então se tem o momento oportuno de tomar
posse do personagem, ou vice-versa. Assim, está selada a união do criador
versus a criatura, ou seja, a interpretação. Portanto, vai depender do tempo de
formação e do contexto de vida do ator para entender o processo criativo da
atuação. Logo ele é infinito, em constante e permanente aprendizado. Pois, como atores, “não sabemos de quase nada”.
Nesta lacuna, indico mais uma vez Kusnet: (l987: o Ator e Método),
quando revela um de seus momentos
experimentais:
“No
tempo em que comecei a trabalhar em teatro profissional, isto é, em 1920 não
existia o Método por escrito. Nós conhecíamos as tendências do Mestre [Stanislavski]
através de alguns artigos escritos por ele, e principalmente, através de suas
realizações no ‘Teatro de Arte de Moscou’, que sempre foram muito comentadas
tantos pelos críticos, como pelos pesquisadores de teatro (...). Só muito mais
tarde aqui no Brasil, quando pela primeira vez tive a oportunidade de ler suas
obras, cheguei a reconhecer nos elementos
de seu Método alguns detalhes do
meu trabalho, quase instintivo daquele tempo". (grifo meu)
No
entanto, mais uma vez analisando o processo de criação do ator, quando ele está
diante da personagem, enfatizo que ele é um aprendiz e como tal precisa
enveredar-se pelo caminho do processo criativo para reaprender o significado do
andar de seu personagem, sua correta respiração, a modulação vocal no espaço
cênico, a marcação orgânica/direcionada, as ações, os gestos,...
Kusnet: (l987: o Ator e Método) |
O ator
necessita de técnicas, de adquirir ferramentas, habilidades e a tão perseguida
competência que deve estar em toda e qualquer profissão. Sobre o adestramento
do ator, a atriz Fernanda Montenegro (Viagem ao Outro: sobre a arte do ator), atesta o seguinte:
“(...)
é necessário como instrumento de mobilização. Mas isso não é tudo. Um ator
pode cumprir todo esse ritual (conjunto
de exercícios, boa voz, articulação, métodos de sensibilização, etc.), esse
adestramento, e não ser um bom ator. Pode cumprir toda a pesquisa formal, a
procura do conteúdo, e ainda assim não ser um bom ator (...). No Brasil todos
nós já passamos por muitos métodos mal absorvidos, superficialmente ensinados.
Vamos acrescentando a nossa prática e
a nossa vivência ao que conseguimos
captar. E cada um de nós, no fundo, cria sua própria técnica. E sobrevive.” (O ofício de Intérprete, p.29;1988); (o grifo
é meu)
Fernanda Montenegro (Viagem ao Outro: sobre a arte do ator) |
Há casos de encenações onde se evidencia a interpretação de alguns atores, ou da direção numa determinada linha de montagem, nesse caso divergindo completamente de outros elementos cênicos. Isso ocorre talvez quando não se busca uma harmonia ou convergência na concepção cênica através da pesquisa. Pesquisa esta que vai desde a criação do personagem, responsabilidade dos intérpretes, permeada pelas unidades de cenas, e levantamentos de situações dramáticas seguindo indicações do diretor e do encenador.
Observa-se
que, no âmbito da encenação do processo de construção, numa manutenção e
desconstrução, durante os
ensaios ou em (re)apresentações cênicas, confirma-se a essência de um método
adquirido pelo intérprete em determinado curso/oficina/escola de teatro, e que
pode permanecer com ele para o resto da
vida. Mas se realmente não houve uma consciência adquirida antes, isso
ocorrerá por pura intuição, embora esta intuição seja válida, fazendo parte
também do processo criativo do ator.
Desta
forma, quando o ator assimila uma técnica e a põe em prática através de ações
reflexivas, neste caso pode ocorrer nele uma mudança de comportamento em busca
de criação teatral e/ou pessoal. O mesmo acontece para quem repassa esta
técnica. Este é o processo metodológico e consequentemente de assimilação e de
resultados reveladores.
Às vezes,
assiste-se a um espetáculo e fica-se a comentar: “como a interpretação daquele
ator estava muito convincente no papel, que presença cênica!?”. Quando não, ao contrário:
“meu Deus, que terror!”.
Não avalio na condição de um ator de teatro, mas também como público. Em se tratando do ator de Fortaleza-Ce, a partir da década de 1990, percebo que alguns fazem teatro para agradar o outro (ator), principalmente, quando aquele ator apreciador vem assistir a ele. Onde fica o público diante de uma representação teatral? O que os atores aqui apontados têm a oferecer de mudança de polaridades em relação à melhoria em todo o conjunto cênico?
Não avalio na condição de um ator de teatro, mas também como público. Em se tratando do ator de Fortaleza-Ce, a partir da década de 1990, percebo que alguns fazem teatro para agradar o outro (ator), principalmente, quando aquele ator apreciador vem assistir a ele. Onde fica o público diante de uma representação teatral? O que os atores aqui apontados têm a oferecer de mudança de polaridades em relação à melhoria em todo o conjunto cênico?
Outro
aspecto relacionado à plateia, no que se refere também à interpretação de ator,
é quando ela questiona simplesmente: “não gostei daquele ator, pois não soube
se expressar como os demais. Ele é tão apagado”. Claro, o público tem toda
razão, pois será que tal ator encontra-se em processo de formação profissional?
Sobre esta
discussão, TOUCHARD: (1978: 90) emprega o seguinte enfoque na relação de
responsabilidade do encenador perante os atores:
“Não
somente lhe cabe fazer respeitar a unidade pela harmonização do desempenho dos
diversos intérpretes, mas deve ser, para cada ator, o guia, aquele que torna
compreensível o sentido profundo e as matizes do texto. Hoje, não existe
suficiente interesse por essa missão essencial do encenador. Vê-se nele,
sobretudo o ‘animador’, o que faz reviver a obra em seu conjunto, sem se preocupar
muito com o papel de pedagogo. Muitos
encenadores contentam-se apenas em utilizar os atores postos a sua disposição,
sem procurar formá-los.” (grifo nosso)
Não quero
dispor de todo o ponto de vista acima e colocá-lo sob o diretor/encenador, mas sim,
tanto o diretor quanto o ator têm algo a contribuir em todo segmento sociocultural. É como disse Procópio Ferreira (1898-1979): “ao
contrário de outrora, só é ator hoje quem pode ser: – Quem possua educação
social e ilustração além do instinto imitativo. O ator vem, pois, da sociedade
para o teatro”. PRADO apud
FERREIRA, (1984: 87).
Ainda sob
este aspecto, TOUCHARD continua e vai mais além, acerca do processo criativo do
ator mediado à luz do encenador:
Livro Procópio Ferreira - a Graça do Velho Teatro por Décio de Almeida Prado.Editora Brasiliense
|
“Ora,
se desejam que o artista tome gosto por seu ofício, se desejam que os ensaios
sejam uma atividade criativa para cada um dos atores, importa que todo papel
novo seja para ele a oportunidade de um enriquecimento, de uma conquista nova,
numa arte nunca possuída. É preciso que cada
novo personagem encarnado lhe
traga uma experiência de si mesmo, essa experiência que obscuramente ele
pede que a arte dramática sempre lhe dê. Se não experimenta a vertigem dessa
dupla posse (da personagem por ele próprio , dele próprio pela personagem) como o espectador, por sua vez,
entraria no jogo misterioso? O que chamamos de presença de ator nada mais é do que sua presença
na personagem. Poucos atores dispõem espontaneamente desse dom necessário...” (o
grifo é meu/nosso), ( ibidem; p.91).
Percebo,
procurando outra resposta às diversas argumentações que norteiam a aprendizagem
do ator, pois não há um padrão cênico preestabelecido para ocupar uma vaga de
ator. Daí as indagações: Será que só nos tornamos atores quando frequentamos
uma escola e adquirimos uma técnica? Pode qualquer um ser ator? Pois, fala-se:
Fulano tem talento, Beltrano dom e vocação, Sicrano sorte. Além de talento
inato, herança genética, ofício, ambição televisiva, modismo e etc.
Sobre o
assunto Fernanda Montenegro afirma que:
“O
intérprete pode se expressar por este ou aquele método, ou pela soma de todos
os métodos, em algumas peças, pode-se usar mais um método do que outro. Mas no
fundo, a experiência interligou de tal forma os diferentes métodos que não é
mais possível ser puramente isto ou puramente aquilo.” (ibidem, p. 29 e 30).
É nesse momento que o intérprete pode
encontrar sua linha de trabalho, aquela com que ele mais se identifica, seja
estilo ou fé, embasamento ou senso teórico, comunhão de grupo, mas de alguma
técnica, ele torna-se competente e expressivo na sua própria Arte de acreditar.
Voltando
às indagações apresentadas no inicial deste capítulo, nos remetemos a NUNES
(1982: 09-10), quando exemplifica algumas definições para o ensino do teatro:
“No
ensino de teatro, deve-se levar em conta a personalidade do aluno. O educador
deve ter um conhecimento aprofundado de cada aluno, uma vez que o ensino varia
de um aluno para outro. No teatro, cada um possui alguma coisa que o outro não
tem, que vem do fundo do ser e que não
pode ser ensinado. O teatro é uma arte que engaja todo o ser humano, toda sua
vida. O ensino de teatro deve tocar tanto o espírito quanto a sensibilidade do
aluno. Ele deve ser vivido pelo indivíduo em todo o seu ser e em todas as suas
ações. Teatro não se ensina; aprende-se praticando-o. Não se trata de ‘transmissão teórica’, mas de ‘transmissão de experiências’,
de transmissão de práticas. O ensino do teatro está fundamentada na experiência
pessoal (...) o mérito da Escola, consiste em permitir a possibilidade de
confrontar experiências diversas.”
Este autor nos mostra “dificuldades” quanto à resolução
nas definições de ensino e aprendizagem. É porque nelas há algo de indefinível.
Tanto que o que procuro aqui é levantar discussões entre um ensino
sistematizado, formação continuada em grupos, o processo criativo do ator, a
busca de uma técnica, os depoimentos de ontem e hoje acerca da formação
teatral.
Pode-se dizer que, entre as dez definições acima, as que mais se aproximam desta análise temática, porque são pontos de vista que aqui mais circundam, compreendem os conhecimentos prévios, informações que a pessoa já traz consigo mesmo e que podem revelar um fator importante na carreira teatral. A outra se refere por meio da prática do fazer teatral, e não de um conhecimento formal sobre este ensino e, finalmente, é que teatro não deve ser ensinado cientificamente, cabe à escola de teatro dispor de elementos de ressignificação, em paralelo a uma gama de experimentos já encontrados pelo aluno-ator, tanto no seu percurso teatral como no de sua vida.
Pode-se dizer que, entre as dez definições acima, as que mais se aproximam desta análise temática, porque são pontos de vista que aqui mais circundam, compreendem os conhecimentos prévios, informações que a pessoa já traz consigo mesmo e que podem revelar um fator importante na carreira teatral. A outra se refere por meio da prática do fazer teatral, e não de um conhecimento formal sobre este ensino e, finalmente, é que teatro não deve ser ensinado cientificamente, cabe à escola de teatro dispor de elementos de ressignificação, em paralelo a uma gama de experimentos já encontrados pelo aluno-ator, tanto no seu percurso teatral como no de sua vida.
Portanto,
fica também aberta a possibilidade do(a) leitor(a) apontar sua própria
definição ou conclusão sobre ensino/aprendizagem em teatro, após tais assuntos
aqui já explorados.
Ainda em
fundamentação teórica de NUNES, ele menciona uma parte referente ao professor
de teatro bastante relevante ao dizer que “o professor não transmite apenas
conhecimentos aos alunos, ele tenta, sobretudo fazer com que este tome
consciência de suas possibilidades escondidas.”
E ainda
acrescenta: “há mais do que a transmissão de um saber, pois o trabalho do
professor consiste em levar o aluno à liberação de alguma coisa escondida e
fonte que ele possui. Ele deve também ajudar o aluno a desenvolver sua
imaginação e a ser claro e mais preciso.”, (ibidem, p.11).
Entendo
que o professor media tais conhecimentos procurando conduzir o aluno de forma
verdadeira a encontrar e explorar aquilo que nele está adormecido, algo que o
educando já traz na bagagem mas ainda
não é patente, conciso e urgente de ação
reflexiva. Digo que é preciso fazê-lo perceber suas próprias potencialidades
diante do meio e saber guiar-se sozinho, pois, ao usar sua imaginação,
conseguirá “voar”.
No entanto, isso quer dizer que o aluno-ator precisa conhecer sua própria ferramenta de trabalho: o corpo. Nele encontram-se os limites ou (des)bloqueios para uma expressividade ou falta de teatralidade no palco de maneira consciente e eficaz.
No entanto, isso quer dizer que o aluno-ator precisa conhecer sua própria ferramenta de trabalho: o corpo. Nele encontram-se os limites ou (des)bloqueios para uma expressividade ou falta de teatralidade no palco de maneira consciente e eficaz.
Então, é
através do aquecimento corporal e vocal, de exercícios de jogos dramático-teatrais,
de sensibilização, de leituras, da análise ativa de textos e estudos de personagens,
ou pela vivência teatral que fluirá nas possibilidades artísticas de um
ator-pesquisador, algo novo sob a condução limiar de um tutor, o
professor-orientador.
Tanto que
NUNES afirma que “o ensino de teatro é uma pesquisa que deve conduzir o aluno a
expressão e à sua própria evolução.” E mais adiante, o autor considera que “o
teatro não é nem uma ciência nem uma técnica, e sim: o teatro é vida; por conseguinte
seu ensino não pode reduzir a comunicar um saber”. Logo depois, ele conclui:
“todo artista é partidário da ideia de que a prática do teatro depende sim de
uma técnica”, (p.11).
Mas também
eles, (NUNES e GOURDAN) concordam com o ponto de vista de que “nem
o teatro nem a arte do ator são disciplinas cientificas...”.
É por isso
que para o diretor e autor Celso Nunes, o trabalho criativo do ator é aquele que
“por
se situar sua atividade num período de tempo e um espaço bem determinados, é um
fator imperativo. Logo o ator deve recorrer aos seus potenciais, sempre
que isto se fizer necessário. E esse
recurso à sua criatividade só se tornará possível se esse ator dominar um
método.” (grifo meu); ibidem.
Logo, tais
assuntos abordados aqui não se esgotam e sempre
que se pesquisa nesse universo, encontraremos sempre aquele ator ou encenador que tem sempre algo a dizer - seja através de espetáculo, de técnica ou de
uma nova linguagem - alimentando assim o homem pela chama viva ou pelo deslumbramento da arte
teatral.
No
entanto, é talvez esta chama viva que ao longo da história das artes cênicas
nos une, pois não somos máquinas, e o alimento da alma é quase sempre a emoção guiada por um rosto ou
pelo gesto de um ator.
“O Manifesto Antropofágico" de Oswald de Andrade.Direção:
Ivonilson Borges, Salão Nobre da Reitoria da UFC. CURSO DE ARTE-DRAMÁTICADA UFC-1992.
Acervo pessoal Lúcio Leonn (E) em Fortaleza(CE).
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(Fonte: Capítulo 1 - Ensina-se Teatro? Onde mora tal Aprendizagem? Subtópico
Processo Criativo do Ator, (p.18-23).).
Fragmento da pesquisa de pós-graduação intitulada: Os Processos de Formação Teatral em Fortaleza na década de 1990 – Memórias de um Ator (LUCENA (CEFET-CE | UECE, 2002).
Fragmento da pesquisa de pós-graduação intitulada: Os Processos de Formação Teatral em Fortaleza na década de 1990 – Memórias de um Ator (LUCENA (CEFET-CE | UECE, 2002).
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