domingo, 30 de novembro de 2008

Memória do “Théâtre du Soleil”, oficina ministrada em Fortaleza/Ce-1988

Por Lúcio Jose de Azevêdo Lucena(Lúcio Leonn)

Imagem: Término de Improvisação -"Oficina Théâtre du Soleil: Curso de Interpretação a partir do Trabalho com Máscara e Maquiagem". Análise de cena por parte dos franceses. Alunos-atores: Martine Kunz, Lúcio Leonn, Chiara Queirós e Ricardo Black.- Figurino: Acervo Grupo Comédia Cearense. Foto Eliza Günther-1988.Acervo do ator lúcio leonn.

Memória do “Théâtre du Soleil”, oficina ministrada em Fortaleza/Ce*
Em todo o Teatro São José, situado na Praça Cristo Redentor, de 05 de outubro a 05 de novembro de l988, com carga horária total de 120h/aula, a Oficina Teatro do Sol foi realizada. Ministrada por dois atores membros da Troup-(Le Théâtre du Soleil), de Paris, dirigida por Ariane Mnouchkine; Georges Bigot e Maurice Durozier.

O Teatro São José recebeu adaptação na estrutura física, (nada abalou o prédio original), como também limpeza logo no primeiro dia, contando com mutirão por parte dos atores/atrizes selecionados como também pelos dois franceses. Sigo com descrições.

Do lugar onde ficava a platéia, saíram todas as cadeiras. De costa para o palco foi armada uma plataforma alta com cortinas “cor de Jerimum” (quase alaranjado), folhas de compensados cru/ ou de cor bege sobre o piso do teatro. Lá, “era o nosso palco”. Tal área de atuação era sob uma pequena ribalta iluminando toda a cena. Algumas delimitações de espaços de cenas nas laterais direita e esquerda com “fita gomada”, outrora delimitação de espaço com coerência, respeitando status dos personagens por nós interpretados.

Havia dois espelhos grandes à direita e uma mesa larga. Máscaras sobre ela, isso fora do espaço cênico, que serviam para os poucos momentos de entrada de cena; Ajuste de máscara da “Comédian Dell’art” e “olhada no personagem” sob o espelho, ao pronunciarmos individualmente, a palavra: pronto!

A Intérprete Augusta Viguier, Georges Bigot e Maurice Durozier o aluno-ator Humberto da Silva - Apresentação de máscaras Comedian Dell'art aos alunos-atores- Foto Eliza Günther 1988/acervo lúcio leonn.
Da base de todo o trabalho de ator, eram as máscaras personificadas ( senhor e senhora Pantalon(e), Arlequim, Madame Memepine, Matamor, etc), ou ainda, maquilagem (personagens) de um casal de apaixonados (Pierrot/Colombina). Além de uso de máscaras, aconteciam improvisação em circunstâncias dadas a partir de um tema, que era discutido em pequenos grupos distribuidos voluntariamente, como também os personagens (máscaras) eram escolhidos espontaneamente pelos alunos-atores para improvisação. Mas, com o passar da oficina, alunos-atores/atrizes acabavam identificando-se com a tipologia das máscaras, fixando-se apenas em uma, duas, três, máscaras (personagens).
Máscaras Comedian Dell'art: Senhor e Senhora Pantaleão, Matamor, Arlequim, Polichinelo e Madame Memepinha. Foto Eliza Günther. Acervo lúcio leonn.
Os instrutores Georges e Maurice instigavam e orientavam os atores-personagens em cena; ao uso e aplicação das técnicas, outrora eles podiam quebrar todo o plano de criação do aluno-ator ainda em cena, (o chamado “esquema racional”, discutido anteriormente nos pequenos grupos formados). Isso acontecia bem à frente do palco construído, que juntamente com os demais grupos de atores, também preparados para adentrar em cena, formava-se “uma grande e aflita platéia”.Já o momento de início ou intervalo, de retorno ou finalização do dia de atividades teatrais eram indicados por toques de sineta.

Havia instrumentos de sopro e de percussão sobre um tapete grande, ora à esquerda, ora à direita (na platéia), que serviam para pontuar as improvisações em cenas de tensões, de alegria, de mistério, de trapaça, de amor... E todo aluno-ator entrava em cena descalço, em respeito ao local de atuação, isso sem usar cor verde nas indumentárias, pois era proibido pelos instrutores franceses. Creio que não atraía sorte. Por isso uma maioria de alunos-atores tentava seguir tal superstição.
Já o aluno-ator devia respeitar a personalidade que a máscara representava, assim como o tema proposto à discussão em grupo anterior às cenas (seguir esquema racional), ou aos momentos de realização de caráter interpretativos. Além de tentar seguir claramente o objetivo do personagem, seu conflito, a situação dramática, etc.
“O Senhor Pantalon vai às compras porque fará uma grande festa. Na feira, encontra Arlequim, (isso sem saber que o vendedor é o tal Arlequim vendendo especiarias). Sr. Pantalon procura pechinchar ( embora seja muito rico e esperto), mas é "pão-duro" e faz de tudo para ficar com a metade do dinheiro, trapacear e sair-se bem. Já Arlequim que se passava como vendedor (disfarçado), procura realizar seu objetivo (de personagem), conforme sua situação/dramática.” Um exemplo de improvisação direcionada e encaminhada para cena, sob orientação dos franceses.
Lúcio Leonn (Sr.Pantaleon) e Meire Virginia Cabral(Apaixonada.)Foto Eliza Günther-1988.acervo pessoal de meire virginia.

Caso o aluno-ator não realizasse tais ações, não vivesse o personagem na íntegra, sendo ele, essencialmente a personalidade-máscara, o ator sairía do jogo/cena por intermédio de um código-uma palavra francesa, que na época soava nada agradável; à la Coté. Ela significava muito, e para alguns, muitas coisas negativas como: frustração, angústia, revolta, etc. Todos queriam acertar, sem-saber-como. Acho que faltava humildade por parte de alguns alunos-atores, além de compreensão, simplicidade, mais esclarecimento quanto à metodologia aplicada pelos instrutores franceses. Havia também problema com o tempo real na tradução simultânea e a necessidade de se ter às explicações mais esclarecidas durante e após os exercícios de cena.

Continuando, logo atrás do palco armado, ficavam as “araras” com os figurinos e, mais outro espelho. Era onde havia os bastidores/camarins para troca de roupa e maquilagem. Nesse espelho, constava datilografado, em papel-jornal, um texto fundamentado no pensamento filósofico de Aristóteles, que dizia assim:
“Portanto, o que quer dizer ‘imitar’? Quer dizer recriar esse movimento interno das coisas que se dirígem à perfeição. ‘Natureza’ era esse movimento e não o conjunto das coisas já feitas, acabadas visíveis. ‘Imitar’, portanto não tem nada a ver com ‘Realismo’ ‘Cópia’ ou ‘Improvisação’ E é por isso que Aristóteles podia dizer que o artista deve ‘imitar’ os homens como deviam ser e não como são. Isto é, imitar um modelo que não existe; o importante é captar a essência das coisas.” (cópia pessoal)

Assim, tais descrições acima ou pensamentos reflexivos faziam parte do nosso trabalho. Como é também a filosofia de grupo da troup Ariane Mnouchkine, que é diretora. Vale ressaltar que os atores Georges Bigot e Maurice Durozier compartilhavam do mesmo pensamento.

Tal ideologia quer dizer que nós atores/artistas devemos imitar algo que não existe e levá-lo à perfeição. Metodologicamente, o ator deve fugir do realismo na busca da teatralidade, pois a televisão, o cinema e a fotografia, podem retratar fielmente a natureza das coisas. Nesse caso, em se tratando do ator, aquele que cria em nome da Arte (teatro), pode e deve ser Senhor da sua estética, nesse caso, da linguagem teatral.

Entretanto, ao ano seguinte (1989), após a realização da oficina, com dezoito anos de idade e aluno do ensino médio, escrevi um artigo para o Jornal Tribuna do Ceará referente a minha participação no Concurso I Prêmio Repórter-Estudantil, promoção do referido jornal. O texto fora publicado em 15 de fevereiro, resumindo bem o acontecimento. (Anexo 3, p. 91)


fonte: *Uma parte integrante de sua pesquisa em pós-graduação, intitulada: "os processos de formação teatral em Fortaleza na década de 1990: memórias de uma ator"(2002).

Nenhum comentário: