Transcrição elaborada por Lúcio Leonn, abril de 2016
(Memória)
¹“Fayga é um
fazer,
filtrar e
descobrir
as relações da
vista e do visto
dando estatuto à
passagem
no espaço: viver
é ver sempre de
novo
a cada forma
a cada cor
a cada dia
o dia em flor
dia.”
Por Margarida
Autran
(Publicado
primeiramente “Jornal do Brasil”, de 15 de setembro de 1971)
(Transcrição
elaborada por Lúcio Leonn, abril de 2016)
Fayga Ostrower, a forma das Côres
“Para mim, escolher entre dois vermelhos
é uma coisa extremamente envolvida em emoções e pensamentos”. Com gravuras em
côres suaves e luminosas, onde a leveza é seguida em tôdas as formas. Fayga
Ostrower expõe na Galeria Bonino seu trabalho dos últimos três anos.
“A partir da série que fiz para o Itamaraty
em 1968, o problema de côr e luz se propôs de um modo diferente para mim. Nos
trabalhos que fiz 10, 15 anos atrás, já usava côres, mas bem mais sombrias.
Pelo que posso analisar de meu trabalho, a côr tinha função de diferenciar
formas. Agora, estou num caminho em que ela é a própria forma”.
Como seu próprio trabalho Fayga é mulher
suave, mas com uma fôrça interna extraordinária.
– Quando comecei fui muito influenciada
pelo expressionismo alemão. Dava grande importância ao traço ao grafismo, ao
contraste claro-escuro. Agora o enfoque é outro. A escolha das côres não tem
nada puramente técnico. A técnica é o instrumento de que me sirvo e tenho de
dominá-la, mas vivo num plano completamente diferente.
A execução de uma gravura leva de um a
dois meses e, para Fayga, é um processo profundamente emocional.
– Para cada gravura, faço uma quantidade
enormes de provas, e cada uma delas não é um caso isolado. A primeira incisão
na chapa está ligada à função das côres, como tôdo um conjunto. Já imagino os
cortes em têrmos de côr. Se vou encontrar a consistência certa da tinta, o tom
exato, só vou descobrir pelas provas. E aí vou-me aproximando do que penso ter
imaginado. A impressão é uma coisa, o fato concreto é diferente. As vêzes fico
surpreendida com a combinação de um verde com um azul, o próprio ato físico
representa uma série de surprêsas. Mas só se é artista enquanto se tem a
capacidade de se surpreender, enquanto houver descobertas ou tudo não passará
de um ato mecânico em que dois e dois sempre são quatro. Mas, a arte, o mesmo
quatro pode ser um pouco diferente. Tudo surpreende, embora se saiba antes o
que se pretende fazer. O terrível é que sempre há opções. No momento em que se
optar por uma determinada forma ou côr, se esta excluindo outra.
Quando Fayga começou, suas gravuras eram
figurativas. A passagem para o abstracionismo foi um processo lento, que levou
cêrca de quatro anos. Agora ela inicia uma nova fase com um nôvo enfoque de
problema de côr e luminosidade, tão importante quanto aquela mudança que na
época ela própria não se deu conta.
– Exponho há 23 anos. Minha primeira
individual foi em 48, mas hoje entro no mesmo estado de pânico, como se fôsse a
primeira exposição. Não sei aferir agora a importância dos trabalhos que estou
expondo, tenho a ganhar um certo distanciamento para ver como se encaixam. Tem
coisa que fiz quando figurativa que hoje considero muito boas, mas que na época
não tiveram importância que têm agora. Só espero poder caminhar. Por isso, me
dá pânico, não da opinião das pessoas, mas do que eu mesma constatar, vendo
meus trabalhos reunidos. O que me assusta e é ver se dei um passo para frente
ou não.
Como em música, as gravuras de Fayga não
têm nome, só um número de referência. Quando era figurativa, ela dava nomes as
gravuras, partindo do próprio assunto. Em 54, em sua primeira exposição
abstrata, quando o ambiente artístico no Brasil era inteiramente diferente do
de hoje (“não havia galerias, nem críticos de arte”), ela resolveu dar nomes às
gravuras como uma ponte poética, um estado de consciência. Tinha mêdo de que as
pessoas não compreendessem seu trabalho. Entretanto, apesar da sugestão que
continham os títulos – Penumbra,
Entardecer, etc. – as pessoas ainda tentavam descobrir objetos nas
gravuras. Ela concluiu então que estava complicando em vez de facilitar as
coisas.
– Quem tem sensibilidade, descobre
fácilmente qual a gravura mais lírica, qual a mais dramática, e uma série de
emoções e pensamentos que existem dentro de mim e aos quais eu não poderia dar
nomes,
Nascida na polônia, Fayga está no Brasil
desde 1934 e sua contribuição para a arte brasileira é indiscutível. Vivendo
intensamente sua atividade soube tirar dela uma verdadeira filosofia de vida.
– Para mim, é uma grande felicidade
poder ser artista. Isto me permitiu procurar compreender uma série de outros
problemas, não meramente artísticos, mas problemas humanos. A grande
felicidade, em si fator de realização, é trabalhar numa coisa que eu adoro. É
dificil de compreender, e, as vêzes, muito angustiante. Mas o que acho maravilhoso
na arte é que ela não tem fim. Para mim, os grandes artistas são os que
conseguiram crescer até o fim da vida. Diz-se que é um crescimento humano.
Sinto uma gratidão enorme por Cézanne, Goya, ou da Vinci, pelo simples fato de
terem existidos e, hoje, em 1971, ainda ensinarem tanto às pessoas. Para mim,
isto é mensagem de esperança que é quase um consôlo. Vejo o próprio trabalho
artístico como um caminho que permite uma forma de crescimento e fico feliz de
me encontrar nesta trilha.
Falando de arte contemporânea, Fayga
afirma que vivemos numa época riquíssima de muita pesquisa, mas ao mesmo tempo
difícil, porque acredita que o mundo hoje é anti-humanista e a arte parece uma
atividade supérflua, inteiramente marginalizada.
– Para o artista de hoje, existe o
problema de dedicar o melhor de sua energia, compreensão e capacidade de
crescer numa tarefa que parece inútil, onde êle próprio tem de acentuar a
utilidade e necessidade de arte. A arte contemporânea, em sua maioria tem um
caráter acentuadamente angustiante, quase que autodefesa, extremamente pessoal.
As pesquisas que hoje se fazem, atingem uma parcela muito pequena da
coletividade humana, porque aparentemente se ligam a preocupações que o ser
humano atinge quando já superou uma série de outras preocupações. Por isso
parecem marginais. O que também dificulta é que realmente estamos vivendo um
período de transformações de valôres, uma transformação que está se acelerando
dia a dia. Se, para o artista, é difícil encontrar o equilíbrio interno, devido
a uma série de problemas, posso imaginar que para o público seja mais difícil
compreender o sentido da pesquisa.
Fonte
consultada:
AUGUSTO
RODRIGUES (editor); Margarida Autran: Fayga Ostrower, a forma das Côres
(publicado primeiramente no “Jornal do Brasil”, de 15 de setembro de 1971). –
Jornal ARTE & EDUCAÇÃO, Rio de Janeiro: Escolinha de Arte do Brasil, ano I,
n.7, p.2 jul. 1971. Acervo pessoal (periódico) Lúcio José de Azevêdo Lucena –
Lúcio Leonn.
[“Faço
questão de manter o vocabulário e a gramática característica da escrita
original no Jornal ARTE & EDUCAÇÃO|Ano da publicação (1971).”], Lúcio
Leonn.
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Fayga Ostrower [¹Foto (Henrique OSTROWER) Reprodução (contracapa livro), minha (2016).]
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Lúcio Leonn e seu Exemplar (abr.2016) |
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VÍDEOs
“Fayga
Ostrower, Paixão Pela Arte”
“Fayga
Ostrower - A Intuição, a criação e a beleza”. Instituto Fayga Ostrower. Disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=3X-1_mB7UTY