quinta-feira, 23 de junho de 2016

(Memória) – Oscar Araripe (1971): Glauce que eu conheci

"[...] à tardinha, na praia vermelha. Ao lado daquela escultura pensativa de Chopin, voltada para o mar, como se estivesse representando uma longa pausa. [...] Glauce contou-me que, vez por outra, ia àquele local, em busca de paz, quando se sentia só representando. [...]na sua solidão inexistia atitude de individualidade. Seu esforço era pela dignificação de sua profissão. Nada mais." (Apud Oscar Araripe (1971) segundo Lúcio Leonn, 2016)

A partir da foto original de Roberto Machado Alves. (1 fot., adaptad.p&b, reprodução/coloração minha.)

LEONN, LÚCIO. Clauce, por Augusto Rodrigues. 1971. Fotografia de capa: Arte & Educação - Escolinha de Arte do Brasil por Augusto Rodrigues. 1971. 1 fot., p&b, reprodução/coloração minha.

(Transcrição elaborada por Lúcio Leonn, 2016)

Glauce que eu conheci 

Oscar Araripe

 A sensibilidade de Glauce chegou-me acidentalmente – foi numa segunda, à tardinha, na praia vermelha. Ao lado daquela escultura pensativa de Chopin, voltada para o mar, como se estivesse representando uma longa pausa. Tempos depois, numa campanha em favor da Casa dos Artistas lembramos do encontro e Glauce contou-me que, vez por outra, ia àquele local, em busca de paz, quando se sentia só representando.

Entretanto na sua solidão inexistia atitude de individualidade. Seu esforço era pela dignificação de sua profissão. Nada mais.

Quando liderou a campanha de auxílio à Casa dos Artistas, uma das inúmeras crises de subsistência dessa entidade, Glauce dividia-se entre o gesto para a ação imediata e a certeza de que o desamparo do artista somente desapareceria com o reconhecimento oficial.

Um dia surpreendeu-me ao vêla eleita Rainha das Atrizes. Minha surpresa fôra tola. Glauce sem que eu pedisse, explicou-me que como Rainha melhor poderia defender seus pontos de vista e dar através do título, maior prestigio ao baile e consequentemente ajudar materialmente àqueles colegas em dificuldade.

Acreditava, ainda, que o título poderia melhorar a “imagem” da atriz, da profissão que era a sua e pela qual tinha um misto de mêdo e amor.

Conversávamos uma dezena de vezes sôbre o teatro em geral e o nosso brasileiro. Glauce via na “crise” uma saída para a criatividade, embora não acreditasse que toda a crise do teatro dependesse da criatividade dos que o faziam.

Raciocinava como um culturalista lúcido, do século XX – a cultura seria responsável por um maior interesse pelo teatro, mas não era algo que se acumulava com o tempo, “como os desejos das espaçonaves na lua”, mas sim alguma coisa que implicava numa decisão global, numa opção madura de um Estado, na coexistência geral de sua importância. Dela ouvi muita vêzes, a expressão “democratização cultural”. Tenho certeza de que Glauce teria muito mais a dizer sobre isto.

Lembro-me de uma vez em que conversávamos sobre Um Uísque para o Rei Saul, um monólogo que Glauce levou pelo interior do Brasil e que lhe valeu um Prêmio Molière como melhor atriz. Glauce não tinha empresário naquela época e, sozinha, só podia empresar a si própria. Saíra-se de uma experiência muito importante porque acreditava que tinha encontrado um público muito vivo pelo interior do país. Queria um teatro que fôsse épico, popular, legível, inteligente e vivo e disse-me que o Rei Saul talvez lhe tivesse indicado, definitivamente, êste caminho.

Uma outra vez, numa entrevista, perguntei-lhe:
– E Electra, Glauce?
– Electra é passado, um pouco de presente de todo nós.

Esta foi a Glauce que conheci, o pensamento e as frases que ficaram. Reflexiva e poética, profissional e líder, sensível a tudo e inquieta. Uma grande atriz. Mais do que isto – completa aos trinta e oito anos.

Apud Oscar Araripe

 Escultora\criação de Augusto Zamoiskl (1944)
 Esboço de imagem\reprodução minha
“Faço questão de manter o vocabulário e a gramática característica da escrita original no Jornal Década de publicação (1970)” Lúcio Leonn.

Fonte consultada:
AUGUSTO RODRIGUES. Oscar Araripe: Glauce que eu conheci - ARTE & EDUCAÇÃO, Rio de Janeiro: Escolinha de Arte do Brasil, Ano I, n. 8, p.3, dez. 1971. Acervo pessoal (periódico)Lúcio José de Azevêdo Lucena - Lúcio Leonn. Transcrição literal

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Oscar Araripe editou conjuntamente, com Augusto Rodrigues, o jornal Arte & Educação
Imagem (Copyright © - 1999-2017 - Oscar Araripe)
Oscar Araripe é escritor e pintor brasileiro. Trabalhou como jornalista, escritor, ator e crítico teatral. 

Visite site Oscar Araripe_ disponível em: http://www.oscarararipe.com.br/
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Sinalizo, que: Duas peças de Eugène Ionesco foram apresentadas com a colaboração da EAB: “A Cantora Careca” (La Cantatrice Chauve) em 1957, com Luís de Lima e Glauce Rocha à frente do elenco, no Teatro de Bolso e, posteriormente, Teatro Mesbla. Em 1960, foi a vez de “As Cadeiras” (Les Chaises) no Teatro de Copacabana, contando com a participação de Augusto Rodrigues no papel de orador, com elenco encabeçado por Lima e Camila Amado. Luís de Lima, diretor e ator de teatro foi professor de mimica da Escolinha e muito amigo de Augusto”. (Texto do livro 60 anos de Arte-Educação, através da Escolinha de Arte do Brasil. Org: Jader de Medeiros Britto. Rio de Janeiro: Ed. do Livro, 2008, p.214), 

[Lúcio José de Azevêdo Lucena(Org.)-Lúcio Leonn].

Vide também
SÉRIE 3MULHERES: MEMÓRIAS
*Memória 1 - ATRIZ Brasileira Glauce Rocha: uma militante acima de tudo, humana. Disponível em: http://notasdator.blogspot.com.br/2016/05/glauce-rocha-uma-militante-humana.html


sexta-feira, 10 de junho de 2016

“EU SEI QUE o MAR É AZUL, MAS o MEU é VERMELHO”. Augusto Rodrigues (Jornal Arte & Educação nº 02, fevereiro de 1971, p. 05)

Transcrição elaborada por Lúcio Leonn, 2016
LEONN, LÚCIO. Augusto Rodrigues. Recorte da fotografia: Divulgação da Exposição de Augusto Rodrigues (Dia 05 de abril/Inauguração: GUIGNARD – Galeria – Av. Alfredo Balena, 586. Belo Horizonte-Minas). 1971. Periódico Arte & Educação - Escolinha de Arte do Brasil. Ano I, n. 3, p.8, mar. 1971.  1 fot., p&b, reprodução/coloração.


Matisse dizia que é preciso ver sempre com olhos de crianças. Eu prefiro dizer que melhor seria ver sempre com os próprios olhos. E concordo com Matisse, que é muito difícil, e exige muito esforço, sobretudo no mundo atual, ver as coisas na sua verdade.

Mas a criança com a visão pura, simples e direta, vê e descobre o que é essencial nas coisas. E perde essa qualidade porque a escola substituiu essa forma simples de agir.

Ao trocar a experiência viva por todo um sistema complexo de imagens e conceitos pré-fabricados. Quase que poderíamos dizer que as escolas tentam explicar o mundo à criança num quadro-negro.

O mundo cheio de interesse para a criança, vai sendo reduzido a um circulo de giz. Frio e vazio. E a criança se perde no emaranhado de preconceitos e imagens pré-fabricadas, onde mal se podem vislumbrar os seus primeiros impulsos–impulsos puros e generosos de conhecer o mundo para melhor amá-lo. Ensina-se à criança a desenhar um cavalo como se ela não o soubesse. Impõe-se que cada uma se pareça com a outra, ou seja, que se desfigure, perdendo a imagem a ser preservada, a do ser criador.

Um professor certa vez visitou uma exposição de desenhos. Havia dezenas deles, representando um pato. Todos parecidos uns com os outros. Quando ele perguntou a uma das crianças qual era o seu, ela, aturdida e angustiada, tentou encontrá-lo. E quando apontou para um deles, o correu ao professor, dadas a dúvidas da criança durante a busca, perguntar como sabia que aquele era o seu desenho. A criança respondeu: 

“eu tinha as mãos sujas e lá o meu desenho está sujo”.

A escola tradicional e rotineira promove esse fatal e terrível desencontro do homem consigo mesmo.  

Fonte consultada:
AUGUSTO RODRIGUES; CARVALHO, ORLANDO MIRANDA DE (supervisão editorial). Eu sei que o mar é azul, mas o meu é vermelho - ARTE & EDUCAÇÃO, Rio de Janeiro (Brasil): EDIÇÃO ESPECIAL EM COMEMORAÇÃO AOS 50 ANOS DA ESCOLINHA DE ARTE DO BRASIL, p.6, fev. 1999. Acervo pessoal (periódico) Lúcio José de Azevêdo Lucena - Lúcio Leonn.

(*** In memoriam ***)

[Lúcio José de Azevêdo Lucena(Org.)-Lúcio Leonn].