Trabalho apresentado na modalidade Oral durante a XXVII Semana Universitária da UECE, realizada no período de 7 a 11 de novembro de 2022. Encontro de Pesquisadores.
Lúcio
José de Azevêdo Lucena1, Inez Beatriz de Castro Martins
Gonçalves2
1Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Mestrado Acadêmico em História, Culturas e Espacialidades, e-mail: lucio.azevedo@aluno.uece.br:
2Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Mestrado Acadêmico em História, Culturas e Espacialidades, e-mail: inez.martins@uece.br
RESUMO. O presente trabalho tem por objetivo apresentar o panorama histórico da cidade de Arronches antes da criação do “Theatro Guarany”, espaço que consideramos de integração sociocultural entre a “Villa Nova de Arronches” (atual Parangaba) na antiga província do Ceará, e a cidade de Fortaleza, durante o século XIX. A metodologia baseou-se na análise de fontes em jornais de época e revisão bibliográfica acerca do tema “teatro”. Como resultado parcial concluimos que da estrada de ferro contribuiu para promover um fluxo de frequentadores ao Teatro Guarany; além de desenvolver social e economicamente o povoado.
Palavras-chave: Villa Nova de Arronches (Parangaba, Ceará). História Cultural. Século XIX.
INTRODUÇÃO
A povoação de “Villa Nova de Arronches”, criada em 1759 (BRUNO, FARIAS, 2011, p. 38) (atual município de Parangaba) estava localizada em uma área privilegiada da província. “A amenidade do clima e a simplicidade dos costumes dos moradores foram consideradas um dos grandes atrativos para aqueles que preferiam morar lá a ter de viver na capital” (OLIVEIRA, 2021, p. 47). Para se chegar a Vila vindo de Fortaleza, utilizava-se a estrada de Arronches, única forma de se entrar e sair da cidade. O trajeto era de difícil acesso, mas essa estrada constituiu-se como a primeira via de integração e circulação de pessoas entre a cidade de Fortaleza e o povoado. Portanto, a estrada (de terra ou calçamento) significou mudanças para a cidade e contribuiu com o seu desenvolvimento social e econômico.
Alguns autores como Lopes (2006), Oliveira, (2021) discorrem sobre o povoado analisando-o como um lugar “de passagem” porque entendem que a localidade servia para conectar Fortaleza e o sertão, e ainda servia de descanso para os viajantes no longo percurso até o interior da província (LOPES, SILVA, 2006, p. 60). “Arronches estava inserida em outra construção de espacialidade da província cearense, distinta da capital” (OLIVEIRA, 2021, p. 39). É no contexto de estar entre, de ir e vir à Fortaleza que a cidade de Arronches se transforma cotidianamente.
Desse modo, a “Villa Nova de Arronches” foi adquirindo gradativamente ascensão como espaço urbano que acarretará transformações sociais e culturais. Tudo indicava que “Fortaleza intensificava suas relações com o sertão, que, com exceção dos períodos de seca, proporcionava bons resultados para o desenvolvimento dos setores do comércio, indústria e pecuária provincianos, além do comércio agroexportador” (OLIVEIRA, 2021, p. 53-54). Essa intensificação das relações de Fortaleza com o interior se deu pela construção da Estrada de ferro de Baturité, iniciada em 1870, que passava por Arronches. Entendemos a construção da via-férrea como um novo fator de transformação urbana da cidade. Se, por um lado, a construção do trecho de 7 km entre a estação principal da província e a estação de trem de Arronches (1873) foi uma “obra que mostrava a hegemonização de Fortaleza (e ao mesmo tempo contribuía também para ela) (BRUNO, FARIAS, 2011, p. 56)”, por outro lado, demonstrou ser um fator de inserção econômica e de desenvolvimento sociocultural para a cidade de Arronches que contribuirá para a construção do teatro Guarany no ano seguinte.
Fonte: Cearense, Fortaleza, 28 de junho de 1874, p. 4. |
Em 28 de junho de 1874 foi erguido o “Theatro Guarany” cujo terreno foi comprado pelo benemérito e morador local, capitão Manuel Francisco da Silva Albano (GIRÃO, 1975, p. 34). Capitão Albano foi responsável ainda pela reforma da matriz Bom Jesus dos Aflitos (Igreja da Parangaba), bem como do Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paula, terreno doado por ele e sua esposa, Maria Theófilo Albano (OLIVEIRA, 2021, p. 19).
A construção do teatro foi uma importante agregação sociocultural para a cidade de Arronches porque, só assim, ela passou a fazer parte do entretenimento cultural da província por meio dos espetáculos de teatro. Além disso, a estrada de ferro contribuiu para que o deslocamento dos habitantes de Fortaleza para ver os espetáculos no teatro Guarany ocorressem de forma mais fácil tendo em vista que o transporte por trem tinha data, dia e hora marcada para partir de Fortaleza ou chegar em Arronches[1].
A metodologia da pesquisa leva em consideração estudos bibliográficos e a historiografia ligada ao tema “teatro”, bem como a fontes dos jornais de época consultados a partir de acervo da Hemeroteca Digital do Brasil[2]. Mapeamos os jornais a partir de uma seleção e traçamos uma análise crítica dessas notícias buscando a construção de uma narrativa a partir da História Cultural.
Fonte: Pedro II, Fortaleza, 28 de junho de 1874, p. 2. |
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A construção do “teatrinho” Guarany, como comunicado na imprensa local, ficou a cargo de outro morador ilustre, o Sr. major José Feijó de Mello[3]. Cinco meses antes de ser anunciado a inauguração do Teatro Guarany ao público local, o jornal Constituição informava de um evento na cidade denominado o “Mastro de Cocagne”[4]. A descrição desses evento demonstra a importância que a figura do major José Feijó de Mello tinha para o contexto social local.
O jornal evidencia que ele morava em uma chácara situada entre a Igreja Matriz e a grande praça de Arronches, local em frente ao novo estabelecimento que iria ser inaugurado, o hotel de João do Carmo. “O seu hotel que fica à disposição do público, que nelle encontrará magníficos refrescos. Uma banda de música partindo da cidade as 4 horas fará as honras do espetáculo.”[5] Era o início de janeiro de 1874. O recém-chegado hotel tornaria-se um atrativo, um espaço convidativo para seus visitantes, ou seja, as acomodações do hotel ou a estadia futura de Arrocnhes que os transeuntes vinham ao evento de trem de Fortaleza. O hotel de João do Carmo precisava ser divulgado e (re)conhecido por todo público, e não somente os de Arronches.
Sobre o major Feijó de Mello podemos dizer que foi deputado da antiga Província do Ceará com dois mandatos seguidos. Do primeiro mandato bienal (1874-1875)[6] coincide com a construção e entrega do Theatro Guarany. Além disso, o jornal Pedro II, em 1870, menciona que, o major Mello era dono também de uma olaria de construção de tijolos de alvenaria em Villa de Arronches. “José Feijó de Mello entrega dous milheiros de tijolos de alvenaria nas suas olarias em Arronches, para receber um, nesta capital. Fortaleza, 14 de setembro de 1870”[7]. No anúncio, é possível evidenciar que o major Mello era um comerciante e intermediava a circulação de bens e serviços entre a Capital e Arronches.
Certeau (1998, p. 101) afirma que “[...] a estratégia é organizada pelo postulado de um poder” ou seja, o poder e a estratégia do Major Mello ou a manipulação ou dinamização da economia local à entrada e circulação de pessoas ou saída de produtos contavam com a vinda de compradores à Arronches. Esta questão deixa subentendida a “facilidade encontrada” quanto ao monopólio ou dispensa de parte do orçamento financeiro de recursos de materiais para a fundação do teatro (os tijolos de alvenaria, que vão desde o levantamento ou aproveitamento na construção, até as reformas de certas edificações). É possível deduzir que o major José Feijó de Mello contribuiu para a a mudança urbanística da cidade de Arronches.
A inauguração do “teatro campestre”, como divulgado pelo jornal Cearense[8] se deu por conta do ator, diretor e empresário Eduardo Alvares da Silva e sua Associação Dramática vindo da cidade de Recife, composta por ele e mais cinco membros, com duas atrizes presentes no elenco. O espetáculo de estreia da inauguração do pequeno Theatro Guarany aconteceu no domingo, dia 28 de junho de 1874, com outra apresentação no dia seguinte. Contou com apresentação de dois espetáculos distintos, o primeiro intitulado “Supplicio de uma Mulher”, importante drama de Alexandre Dumas Filho, seguido pela chistosa comédia em 1 ato, “ornada de música”, intitulada “Um Cavalleiro Particular”, ambos sob direção artística de Eduardo Alvares[9].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criação do Theatro Guarany em 1874 em “Villa Nova de Arronches” ocorreu no período em que Fortaleza estava sem teatro. Afinal, um dos primeiros teatros da Província, o Teatro Thaliense, foi fechado no ano de 1872. A construção da via-férrea em 1870 contribuiu para a criação e fortalecimento do teatro Guarany como espaço cultural da cidade de Arronches.
BRUNO, Arthur; FARIAS, Airton de. A Hegemonia.
Razões de uma cidade. In: BRUNO, Arthur; FARIAS, Airton de. Fortaleza:
uma breve história. Fortaleza: INESP, 2011.
CERTEAU, Michel de. A invenção do
cotidiano: 1. Artes de fazer. Capítulo IX Petrópolis: Vozes, 1998.
GIRÃO, Raimundo. Famílias de Fortaleza. Fortaleza:
Imprensa Universitária, 1975.
LOPES, Francisco
Clébio Rodrigues. A
centralidade da Parangaba como produto da Fragmentação de Fortaleza (CE). 2006. Dissertação
(Mestrado em Geografia) - Centro de Ciências, Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza, 2006.
OLIVEIRA, Cláudia Freitas de. A
institucionalização da loucura no Ceará: o Asilo de Alienados São Vicente de
Paula (1871-1920). Fortaleza: Imprensa Universitária, 2021. E-book.
SANTOS, José Ozildo dos. Deputados da Antiga
Província do Ceará. Revista Trimestral do Instituto do Ceará,
Fortaleza, anno XXVIII, 1914.
FONTES:
Pedro II, Fortaleza, ano 1870.
Cearense, Fortaleza, ano 1874.
Constituição, Fortaleza, ano 1874.
[1]
Cearense, 28 de junho de 1874, p. 4.
[3]
Cearense, 21 de junho de 1874, p. 2.
[4]
Tratava-se de um “mastro de sebo” em que: “Os dilettantis desse difícil
jogo nada pagarão pela assenção ao mastro, a cujo topo encontrarão (se la
chegarem) além de uma somma em dinheiro, um relógio com cadeia de ouro que lhes
é oferecido” (Constituição, 25 de janeiro de 1874, p. 4).
[5]
Constituição, Fortaleza, 25 de janeiro de 1874, p. 4.
[6]
O segundo mandato compreendeu o biênio de 1876 a 1877, informação extraída da Revista
Trimestral do Instituto do Ceará (1914, p. 85-86), referente aos dois
seguidos mandatos.
[7]
Fortaleza, 18 de setembro de 1870, p. 4.
[8]
Cearense, Fortaleza, 21 de junho de 1874, p. 2.
[9] Vinha pela primeira vez, também, como ator (o empresário) e da sua Associação Dramática, que se apresentavam ao digno povo Cearense, no pequeno Theatro Guarany (Cearense, 28 junho de 1874, p. 4)