sexta-feira, 14 de abril de 2017

"Fayga Ostrower, a forma das Côres". - [Por Margarida Autran (Publicado primeiramente “Jornal do Brasil”, de 15 de setembro de 1971)]

Transcrição elaborada por Lúcio Leonn, abril de 2016

(Memória)
¹“Fayga é um fazer,
filtrar e descobrir
as relações da vista e do visto
dando estatuto à passagem
no espaço: viver
é ver sempre de novo
a cada forma
a cada cor
a cada dia
o dia em flor dia.”
¹(Definição de Carlos Drummond de Andrade (em “Fayga”, As Impurezas do branco, José Olympio, 1973): Pedro Paulo de Sena Madureira, segundo Leonn, 2016.
LEONN, LÚCIO. Augusto Rodrigues (Recorte da fotografia): Foto de Regina Alvarez, 1972. Periódico: Arte & Educação - Escolinha de Arte do Brasil, ano I, n. 12, capa (Fayga – A presença do artista); O movimento das Escolinhas de Arte e suas perspectivas, p.3 jul. 1972. 1 fot., p&b, reprodução/adaptação\coloração minha, 2016.

Por Margarida Autran
(Publicado primeiramente “Jornal do Brasil”, de 15 de setembro de 1971)
(Transcrição elaborada por Lúcio Leonn, abril de 2016)

 Fayga Ostrower, a forma das Côres
“Para mim, escolher entre dois vermelhos é uma coisa extremamente envolvida em emoções e pensamentos”. Com gravuras em côres suaves e luminosas, onde a leveza é seguida em tôdas as formas. Fayga Ostrower expõe na Galeria Bonino seu trabalho dos últimos três anos.
“A partir da série que fiz para o Itamaraty em 1968, o problema de côr e luz se propôs de um modo diferente para mim. Nos trabalhos que fiz 10, 15 anos atrás, já usava côres, mas bem mais sombrias. Pelo que posso analisar de meu trabalho, a côr tinha função de diferenciar formas. Agora, estou num caminho em que ela é a própria forma”.
Como seu próprio trabalho Fayga é mulher suave, mas com uma fôrça interna extraordinária.
– Quando comecei fui muito influenciada pelo expressionismo alemão. Dava grande importância ao traço ao grafismo, ao contraste claro-escuro. Agora o enfoque é outro. A escolha das côres não tem nada puramente técnico. A técnica é o instrumento de que me sirvo e tenho de dominá-la, mas vivo num plano completamente diferente.
A execução de uma gravura leva de um a dois meses e, para Fayga, é um processo profundamente emocional.
– Para cada gravura, faço uma quantidade enormes de provas, e cada uma delas não é um caso isolado. A primeira incisão na chapa está ligada à função das côres, como tôdo um conjunto. Já imagino os cortes em têrmos de côr. Se vou encontrar a consistência certa da tinta, o tom exato, só vou descobrir pelas provas. E aí vou-me aproximando do que penso ter imaginado. A impressão é uma coisa, o fato concreto é diferente. As vêzes fico surpreendida com a combinação de um verde com um azul, o próprio ato físico representa uma série de surprêsas. Mas só se é artista enquanto se tem a capacidade de se surpreender, enquanto houver descobertas ou tudo não passará de um ato mecânico em que dois e dois sempre são quatro. Mas, a arte, o mesmo quatro pode ser um pouco diferente. Tudo surpreende, embora se saiba antes o que se pretende fazer. O terrível é que sempre há opções. No momento em que se optar por uma determinada forma ou côr, se esta excluindo outra.
Quando Fayga começou, suas gravuras eram figurativas. A passagem para o abstracionismo foi um processo lento, que levou cêrca de quatro anos. Agora ela inicia uma nova fase com um nôvo enfoque de problema de côr e luminosidade, tão importante quanto aquela mudança que na época ela própria não se deu conta.
– Exponho há 23 anos. Minha primeira individual foi em 48, mas hoje entro no mesmo estado de pânico, como se fôsse a primeira exposição. Não sei aferir agora a importância dos trabalhos que estou expondo, tenho a ganhar um certo distanciamento para ver como se encaixam. Tem coisa que fiz quando figurativa que hoje considero muito boas, mas que na época não tiveram importância que têm agora. Só espero poder caminhar. Por isso, me dá pânico, não da opinião das pessoas, mas do que eu mesma constatar, vendo meus trabalhos reunidos. O que me assusta e é ver se dei um passo para frente ou não.
Como em música, as gravuras de Fayga não têm nome, só um número de referência. Quando era figurativa, ela dava nomes as gravuras, partindo do próprio assunto. Em 54, em sua primeira exposição abstrata, quando o ambiente artístico no Brasil era inteiramente diferente do de hoje (“não havia galerias, nem críticos de arte”), ela resolveu dar nomes às gravuras como uma ponte poética, um estado de consciência. Tinha mêdo de que as pessoas não compreendessem seu trabalho. Entretanto, apesar da sugestão que continham os títulos – Penumbra, Entardecer, etc. – as pessoas ainda tentavam descobrir objetos nas gravuras. Ela concluiu então que estava complicando em vez de facilitar as coisas.
– Quem tem sensibilidade, descobre fácilmente qual a gravura mais lírica, qual a mais dramática, e uma série de emoções e pensamentos que existem dentro de mim e aos quais eu não poderia dar nomes,
Nascida na polônia, Fayga está no Brasil desde 1934 e sua contribuição para a arte brasileira é indiscutível. Vivendo intensamente sua atividade soube tirar dela uma verdadeira filosofia de vida.
– Para mim, é uma grande felicidade poder ser artista. Isto me permitiu procurar compreender uma série de outros problemas, não meramente artísticos, mas problemas humanos. A grande felicidade, em si fator de realização, é trabalhar numa coisa que eu adoro. É dificil de compreender, e, as vêzes, muito angustiante. Mas o que acho maravilhoso na arte é que ela não tem fim. Para mim, os grandes artistas são os que conseguiram crescer até o fim da vida. Diz-se que é um crescimento humano. Sinto uma gratidão enorme por Cézanne, Goya, ou da Vinci, pelo simples fato de terem existidos e, hoje, em 1971, ainda ensinarem tanto às pessoas. Para mim, isto é mensagem de esperança que é quase um consôlo. Vejo o próprio trabalho artístico como um caminho que permite uma forma de crescimento e fico feliz de me encontrar nesta trilha.
Falando de arte contemporânea, Fayga afirma que vivemos numa época riquíssima de muita pesquisa, mas ao mesmo tempo difícil, porque acredita que o mundo hoje é anti-humanista e a arte parece uma atividade supérflua, inteiramente marginalizada.
– Para o artista de hoje, existe o problema de dedicar o melhor de sua energia, compreensão e capacidade de crescer numa tarefa que parece inútil, onde êle próprio tem de acentuar a utilidade e necessidade de arte. A arte contemporânea, em sua maioria tem um caráter acentuadamente angustiante, quase que autodefesa, extremamente pessoal. As pesquisas que hoje se fazem, atingem uma parcela muito pequena da coletividade humana, porque aparentemente se ligam a preocupações que o ser humano atinge quando já superou uma série de outras preocupações. Por isso parecem marginais. O que também dificulta é que realmente estamos vivendo um período de transformações de valôres, uma transformação que está se acelerando dia a dia. Se, para o artista, é difícil encontrar o equilíbrio interno, devido a uma série de problemas, posso imaginar que para o público seja mais difícil compreender o sentido da pesquisa.

Fonte consultada:
AUGUSTO RODRIGUES (editor); Margarida Autran: Fayga Ostrower, a forma das Côres (publicado primeiramente no “Jornal do Brasil”, de 15 de setembro de 1971). – Jornal ARTE & EDUCAÇÃO, Rio de Janeiro: Escolinha de Arte do Brasil, ano I, n.7, p.2 jul. 1971. Acervo pessoal (periódico) Lúcio José de Azevêdo Lucena – Lúcio Leonn.

[“Faço questão de manter o vocabulário e a gramática característica da escrita original no Jornal ARTE & EDUCAÇÃO|Ano da publicação (1971).”], Lúcio Leonn.
Fayga Ostrower 
[¹Foto (Henrique OSTROWER) Reprodução (contracapa livro), minha (2016).]
_________________
¹Criatividade e Processos de Criação (In orelha do livro) OSTROWER, Fayga. Editora Vozes. RJ. 187p. 1987. (16ª edição, 2002) Imagem, abaixo:
Lúcio Leonn e seu Exemplar (abr.2016)























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VÍDEOs
“Fayga Ostrower, Paixão Pela Arte”
Instituto Fayga Ostrower. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=-3wlEuPgcKw



“Fayga Ostrower - A Intuição, a criação e a beleza”. Instituto Fayga Ostrower. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=3X-1_mB7UTY



Visite *Instituto Fayga Ostrower: http://faygaostrower.org.br/